Weissheimer: a saga de uma família imigrante

Imagem meramente ilustrativa Reprodução/internet

Para se ter uma ideia de como foi a saga dos imigrantes alemães que emigraram para o Brasil no início do século XIX, nada melhor que o exemplo de uma das famílias que realizaram esta extraordinária aventura. Usaremos, para isto, o caso do jovem casal Jakob e Maria Magdalena Weissheimer, que para cá veio com um casal de filhos pequenos e uma jovem criada de onze anos. A vida destes pioneiros foi pesquisada de forma extraordinária pelo seu descendente Egídio Weissheimer e está descrita na admirável obra “Weissheimer – História de uma família renana, de Westhofen a São Leopoldo”.

Faremos aqui apenas um resumo da narrativa extensa e detalhada contida no livro:

Jakob nasceu em 1799 e tinha, portanto, apenas 26 anos quando chegou ao Brasil, em 1825. Sua cidade natal, Westhofen, situava-se perto da divisa com a França e, por isto, sua população esteve constantemente envolvida nas guerras que causaram tantas mortes, miséria e padecimentos no final do século XVIII e início do século XIX. Tempos da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas. Um tio de Jakob, chamado Heinrich, foi obrigado a integrar-se às forças de Napoleão na sua malfadada invasão à Rússia e morreu na guerra. Durante a infância de Jakob, a região onde situava-se Westhofen estava sob o domínio da França.
Mesmo com os problemas causados pelas constantes guerras, as crianças alemãs costumavam, naquela época, ter seis anos de estudos primários. O que bem demonstra a superioridade cultural da Alemanha em relação ao Brasil naquela época, tal como ainda acontece agora.

Em 1815, com a derrota de Napoleão na batalha de Waterloo, terminou o domínio francês e Westhofen voltou a ser alemã.

O pai de Jakob era dono de uma hospedaria (um pequeno hotel), mas ele não seguiu a mesma profissão. Seu tio e padrinho, que também chamava-se Jakob Weissheimer e residia em Alzey, era dono de um moinho movido pela corrente d’água de um arroio, que era usado na época para moer os grãos de trigo, transformando-o em farinha. Para a época, o moinho d’água era um prodígio tecnológico que deve ter encantado o menino Jakob. Assim, quando chegou a idade dele aprender uma profissão, ao invés de trabalhar na hospedaria do pai, foi trabalhar no moinho do tio e passou a morar na casa dele. Isto em 1816. O moinho chamava-se Raumühle, pois pertencera à família Rau, antes de ser adquirido pelos Weissheimer.

Aconteceu, então, nos anos de 1818 e 1819, que a região foi assolada por uma grande seca. As lavouras não produziam nada e os moinhos não tinham grãos para moer. Além disto o arroio que movia o moinho secou, tornando impossível continuar a produção. A miséria foi tanta, que aqueles anos ficaram conhecidos como anos da fome. Aos 22 anos, Jakob teve de deixar a casa dos tios para começar a sua própria vida. Comprou uma pequena propriedade próxima à cidade natal, o que não foi difícil, pois era muito grande o número de pessoas que deixavam suas terras na Alemanha tomando o rumo da imigração (principalmente para os Estados Unidos). No mesmo ano de 1822 ele se casou com a jovem Maria Magdalena Schoop, de 20 anos. E não demorou muito para que nascesse a primeira filha do casal, chamada Ana Maria. Como Maria Magdalena precisaria cuidar da criança recém nascida e não poderia ajudar no trabalho, o casal resolveu adotar uma menina para ajudar nos trabalhos da casa. O nome desta menina era Gertrud e ela era uma das centenas de crianças miseráveis que haviam naquela região por esta época. Seus pais estavam mortos ou não tinham condições de mantê-la. Mesmo tendo apenas nove anos de idade, a menina ajudou muito no trabalho doméstico, como era normal na época. Ela recebeu o sobrenome Weissheimer e foi tratada como filha.

A decisão de partir

Era difícil ganhar a vida e fazer progressos na Alemanha daquela época e a ideia de imigrar para a América, onde as terras eram abundantes e férteis, estava na mente de todas as pessoas, especialmente os jovens.

No ano de 1824 o governo brasileiro contratou o major Johann Anton von Schaeffer para atrair colonos da Alemanha para virem se estabelecer no Brasil. O objetivo era colonizar as terras ainda muito pouco povoadas da província de São Pedro (o atual Rio Grande do Sul), para evitar que elas caíssem nas mãos dos castelhanos (argentinos e uruguaios) que constantemente lutavam pela sua posse. Entre os colonos que von Schaeffer convidava para virem ao Brasil ele tentava atrair, também, alguns jovens que pudessem ser usados como soldados nas constantes guerras contra os castelhanos.

O governo brasileiro de Dom Pedro I oferecia muitas vantagens para quem se dispusesse a vir para o Brasil. Dava um lote de terras férteis com aproximadamente 75 hectares, auxílio em dinheiro no primeiro e segundo ano, além de bois, cavalos, outros animais e ferramentas e a isenção de impostos por 10 anos. Mas os colonos tinham de arcar com o preço da passagem de navio até o Brasil, a não ser aqueles que se dispusessem a servir como soldados no exército brasileiro.

Tantas vantagens fizeram com que Jakob se decidisse a emigrar para o Brasil. Ainda mais que um vizinho seu, George Berg, também estava disposto a ir. E Jakob tinha também uma prima sua já morando no Brasil que mandou boas notícias de lá.

Jakob e George se inscreveram como emigrantes e, logo em seguida, Jakob teve uma notícia preocupante. Sua esposa estava novamente grávida, o que poderia representar um transtorno se o nascimento do bebê ocorresse durante a longa e difícil viagem em navio a vela até o Brasil.

Mas ele não desistiu do seu propósito. Ao saber que fora aprovado para a emigração, Jakob tratou de vender a sua propriedade, além de outros bens que não poderia levar consigo na viagem. Cada família poderia levar, no máximo, 60 quilos de bagagens.

A filha morre na viagem

Em junho de 1825, Jakob começou sua viagem, junto com a esposa Magdalena, a filha pequena e a criada. A viagem até o porto alemão de Hamburgo, feita em carruagem puxada por burros, durou mais de 30 dias. Em média, foram percorridos 20 quilômetros por dia. Em Hamburgo, os emigrantes ficaram hospedados num velho moinho que fora alugado pelo major Schaeffer para esta finalidade. Foi ali que Magdalena deu à luz o seu segundo filho: um menino que recebeu o nome de Adam.

O navio que os levaria ao Brasil era um veleiro de três mastros chamado Kranich. No dia 3 de outubro, depois de quase três meses de espera no porto de Hamburgo, o navio finalmente começou a sua viagem. Logo que o navio chegou ao mar, fortes ventos fizeram com que ele balançasse intensamente e muitos dos passageiros sentiram-se mal. Tinham náuseas que os faziam vomitar tudo que comiam. As mortes não tardaram a acontecer. No oitavo dia de viagem, morreu uma menina de nove anos. Três dias depois morria um menino recém nascido, com apenas três meses. No dia seguinte morreram um menino de um ano e meio e um homem com 61 anos. Entre as vítimas da viagem acabou falecendo também a filha de Jakob e Magdalena, a menina Ana Maria, que tinha apenas dois anos e meio de idade. O seu corpo, como os dos demais falecidos em viagem, foi enrolado num lençol branco e, depois de um ritual em latim celebrado pelo capitão do navio, lançado no mar.

Com o tempo os passageiros foram se acostumando com o balanço das ondas e as mortes deixaram de ocorrer. E aconteceram alguns nascimentos, compensando as perdas sofridas. A viagem transcorreu normalmente, apesar da precariedade das acomodações e dos problemas com a água potável, que era levada em quantidade suficiente no navio, mas que apresentava problemas de má conservação devido ao forte calor que enfrentavam no clima quente da região para a qual o navio se destinava. Esta viagem foi, na verdade, uma das mais tranqüilas e bem sucedidas de todas as que foram realizadas para trazer os colonos naquela época.

Foi só no dia 19 de janeiro de 1826, depois de 109 dias de viagem que a terra firme foi, finalmente, avistada. No dia seguinte aconteceu o desembarque, no Rio de Janeiro.

A viagem para o sul, feita por mar em barcos menores, só aconteceu duas semanas depois. Os Weissheimer, juntamente com outros colonos totalizando 100 passageiros, viajaram na sumaca Americana, que partiu do Rio de Janeiro em 5 de fevereiro. E a chegada a Porto Alegre dever ter ocorrido no fim do mesmo mês. No dia 7 de março foi realizada a terceira etapa da viagem. Levados em diversos lanchões (pequenos barcos movidos a vela} os colonos subiram o Rio dos Sinos até o Passo, nome como era conhecido na época o local onde se situa a cidade de São Leopoldo. Dali eles ainda foram levados, em carretas, até o prédio no qual os colonos ficariam alojados, já na Real Feitoria do Linho Cânhamo. A longa viagem havia acabado. Nove meses haviam se passado desde que os Weissheimer haviam deixado a sua casa na Alemanha.

Começando a nova vida

A chegada à Feitoria não representou o fim dos problemas para a família Weissheimer. Eles tiveram de esperar ainda algum tempo até que o administrador da colônia, José Thomaz de Lima, determinasse o lote de terras no qual poderiam se estabelecer. Jakob Weissheimer, ao invés de estabelecer-se num lote situado na margem direita do Rio dos Sinos, como fazia a maioria dos colonos, preferiu uma área do lado esquerdo do rio, próxima à atual localidade de Lomba Grande. Nesta região ainda havia muito mato. Isto era sinal de terra fértil, mas onde havia mato existia maior perigo de ataque por parte dos bugres, ou seja, dos índios que ainda habitavam as matas da província naquela época e que se mantinham selvagens. O que atraiu Jakob para a área que ele escolheu foi a existência ali de um arroio, o Guary. Ë que ele já planejava construir um moinho e, para isto, o arroio era fundamental.

A antiga Feitoria tinha, além do prédio central da administração, vários outros, bastante rústicos, nos quais funcionaram senzalas, ou seja, acomodações nas quais viviam os negros escravos. Com a desativação da Feitoria, estes prédios ficaram vagos e serviram para acomodar os colonos enquanto não se decidia qual o lote que caberia a cada família. Quando Jakob escolheu a sua terra, ele e a família foram levados para um destes antigos prédios que ficava mais perto da área por ele escolhida. Assim, eles podiam ficar por ali enquanto Jakob preparava o terreno e construía uma casinha que servisse para acomodar a família. A administração da Feitoria fornecia alguns homens para ajudar neste trabalho inicial, mas os homens ficavam ajudando por poucos dias, já que eram muitos os colonos que chegavam. A construção não era mais do que uma choupana: quatro paus fincados no chão e quatro traves (como as das atuais goleiras do futebol). As paredes eram feitas com varas extraídas da mata e as fendas que sobravam entre elas, tapadas com barro. Na cobertura, as ripas eram de taquara e, no lugar de telhas, se colocava capim ou folhas de palmeiras. No interior da choupana, o piso era de terra batida. Mesas e cadeiras rústicas eram feitas de troncos de árvores. Na cama, igualmente rústica, o colchão inesistia, sendo substituído por folhas de palmeiras. As roupas, que eram poucas, ficavam penduradas em pregos fincados nas paredes. A cozinha ficava numa outra choupana construída nos fundos da casa. Temia-se que um incêndio provocasse a destruição da casa. Não havia fogão. O fogo era de chão e as pane1las ficavam sobre ele, penduradas numa vara horizontal que era sustentada por duas estacas dotadas de forquilhas.

Ao redor da casa, a mata precisava ser derrubada, deixando a terra limpa para as plantações. O trabalho era feito com machado, foice, facão e enxada. Terminada a construção da choupana e aberta uma pequena clareira na mata ao redor da morada, os trabalhadores cedidos pelo governo foram embora e Jakob pode trazer sua família para o novo, e precário, lar. Havia muito trabalho para fazer, mas a fertilidade da terra permitia sonhar com um futuro promissor.

Os bugres atacam

No dia 10 de abril daquele primeiro ano de vida no Brasil, 1826, Jakob encilhou o cavalo que havia comprado e foi até a Feitoria, onde pretendia fazer algumas compras. A saída do homem da casa foi a oportunidade que os bugres esperavam para atacar. Eles, por certo, vinham há dias observando aquela gente branca que viera se instalar na mata que eles, antes, dominavam sem contestação.

No final da tarde, Jakob ainda não havia retornado. Maria Magdalena e a menina Gertrud estavam cuidando do trabalho doméstico. Foi então que os índios atacaram casa, vindo de todos os lados ao mesmo tempo. Numa ação muito rápida, os silvícolas prenderam Magdalena e Gertrud no interior da choupana e foram embora. Não as agrediram nem furtaram qualquer objeto, mas levaram com eles o pequeno Adam, o filho de Jakob e Magdalena que havia nascido durante a espera no porto de Hamburgo e que agora tinha pouco menos que um ano de idade. Logo que pode entender o que acontecia com o filho, Magdalena disparou a gritar, o que chamou a atenção dos vizinhos, que vieram em sua ajuda. Gertrud saiu correndo pela estrada até encontrar Jakob, que já vinha retornando para casa. Logo Jakob e alguns colonos vizinhos organizaram uma expedição para tentar encontrar o menino raptado. Mas foi em vão. Os selvagens conheciam a mata como ninguém e sabiam onde esconder-se. Jakob voltou até a feitoria para apelar ao administrador da colônia. Haviam sido criadas Companhias de Pedestres, uma espécie de força policial que tinha por objetivo defender os colonos do ataque dos bugres. O pedido de Jakob foi atendido e, ainda naquela mesma noite, um grupo de componentes da Companhia de Pedestres se apresentou na casa da família Weissheimer. Na manhã seguinte, o grupo, reforçado por Jakob e alguns colonos vizinhos, saiu em busca dos índios raptores, tentando reaver o menino. Levavam armas, munição e alimentos, além de cães farejadores. Não tardou muito para que os latidos dos cães chamassem a atenção dos perseguidores para um determinado ponto, no meio da mata. Ali encontraram o corpo do pequeno Adam. O seu crânio estava fraturado. Os experientes bugreiros (como eram conhecidos os homens que formavam a Companhia de Pedestres) explicaram o que havia acontecido. Com fome e cansado, Adam começara a chorar. E, como o seu choro poderia fazer com que os índios que o levavam fossem localizados pelos seus perseguidores, eles trataram de matá-lo. Para isto, algum índio o segurou pelas pernas e bateu sua cabeça contra uma pedra. Outros casos semelhantes já haviam acontecido antes.

O menino foi levado para casa, morto, aumentando o desespero da mãe. Magdalena, que já havia perdido a filha na viagem de navio, agora via também o seu filho morto. Neste momento, por certo, Jakob e Magdalena se arrependeram de haver deixado sua terra natal em busca de uma vida melhor no Brasil. Mas, que fazer, voltar era quase impossível. Eles não teriam o dinheiro necessário para pagar a viagem e nem incentivo do governo brasileiro para isto.

Os índios, que reagiam à pretensão dos brancos de ocupar as matas nas quais eles antes viviam em liberdade, eram os Güianeses, os mesmos Caingangues que hoje vivem em reservas, no norte do estado. Na época do descobrimento do Brasil eles viviam principalmente nas matas do atual estado de São Paulo. Expulsos pelos colonizadores portugueses, eles migraram para o sul, chegando até o atual território gaúcho. As matas que cobriam os vales do Sinos e Caí eram seus redutos preferenciais, pois ali eles encontravam caça abundante e frutas colhidas diretamente das árvores nativas. Para dominarem estas matas, os Caingangues tiveram de lutar contra os Tapes, que ali viviam originalmente. Agora, com a ocupação das suas matas pelos colonos brancos, os índios reagiam em desespero, pois tornava-se pequena a área que eles dispunham para caçar e catar os seus alimentos.

Dez anos de prosperidade

Graças ao grau de educação superior que os colonos traziam da Europa, com nível muito acima dos caboclos que viviam pelo interior do Rio Grande naquela época, as dificuldades iniciais foram rapidamente vencidas e a colônia passou por uma fase de grande prosperidade até que, em 1835, veio a Revolução Farroupilha trazendo para a vida dos colonos os flagelos da guerra, do qual eles haviam fugido quando emigraram da sua terra natal.

Mas os quase dez anos de paz que puderam desfrutar antes disto, foram bem aproveitados. Voltemos a acompanhar o exemplo do colono Jakob Weissheimer, seguindo o relato brilhante do seu descendente Egídio Weissheimer.

Depois de perderem seus filhos (uma na viagem de navio, outro no ataque dos bugres) Jakob e Magdalena não esmoreceram. Três anos depois do início do trabalho na sua propriedade, o casal já contava com dois novos filhos. Um nascido em junho de 1827 e outro em março de 1828. O casal já havia construído uma boa casa e até o moinho, que era o grande sonho de Jakob, já estava funcionando. As técnicas que ele havia aprendido com seu tio na Alemanha eram pouco conhecidas no Brasil e ele logo se destacou na produção de farinha. Jakob abastecia as colônias e cidades como São Leopoldo e até Porto Alegre, para onde a sua produção podia ser levada com certa facilidade pelo Rio dos Sinos. Ele também praticava a agricultura na sua propriedade e, aos poucos, conseguia fazer prosperar os seus negócios. Assim como Jakob, outros colonos alemães se destacaram rapidamente graças às técnicas que haviam aprendido na Alemanha. Surgiram logo os fabricantes artesanais de sapatos (tornando o Vale do Sinos conhecido como Vale dos Sapateiros) e também um famoso fabricante de selas e arreios para cavalos que conquistou fama imediata na região campeira da província pela qualidade superior do seu produto. Surgiu, também, a produção de vinho e até, um pouco mais tarde, a de cerveja. Com isto, a colônia alemã passou a se constituir numa grande fornecedora de mercadorias, principalmente para a capital da província. Isto fez movimentar economicamente a região colonial, fomentando diversas atividades, inclusive a navegação nos rios dos Sinos, Cadeia e, mais tarde, no Caí.

Escravos: comprar ou não

A necessidade de ajuda no trabalho se tornava cada vez maior. Era difícil para Jacob Weissheimer dar conta de todo o serviço. Como não havia entre os colonos muita gente disposta a trabalhar como empregado, Jakob logo passou a considerar uma possibilidade que, na Europa, seria inconcebível. A aquisição de um escravo.

O comércio de escravos trazidos da África era um grande negócio no Brasil dos séculos XVIII e XIX. Em Porto Alegre existiam grandes mercadores de escravos, inclusive os irmãos João Ignácio e José Ignácio Teixeira, que foram proprietários da Fazenda Pareci. Para qualquer família de posses, comprar escravos ou escravas era coisa natural. Possuir escravos era, inclusive, naquela época, um símbolo de status.

Havia, no entanto, uma lei que proibia os colonos alemães de comprar escravos. Mas Jakob logo percebeu que, já naquela época, as leis brasileiras não eram levadas muito a sério. Tanto que, quando ia a São Leopoldo comercializar a sua produção de farinha, ele via que comerciantes alemães possuíam um ou até mesmo vários escravos. E nunca um destes transgressores da lei foi punido, pois a lei não estabelecia nenhuma pena para quem a deixasse de cumprir. Coisa de brasileiro.

Além disto, o próprio governo dava exemplo de falta de seriedade, pois os compromissos que ele havia assumido com os colonos com o objetivo de atrai-los também não foram plenamente cumpridos. Não foi paga a prometida ajuda em dinheiro aos colonos nos primeiros dois anos e nem concedida a cidadania brasileira e a plena liberdade religiosa, que faziam parte do contrato firmado entre o governo imperial brasileiro e os imigrantes alemães.

Jacob compra um escravo

Os negócios de Jakob Weisheimer progrediam e ele tinha cada vez mais trabalho para ser feito na sua propriedade. Então tomou uma decisão. Carregou várias carretas com 40 sacos de farinha de mandioca e os levou até o Porto das Telhas. Ali contratou o frete nos lanchões pertencentes a um dos dois colonos que faziam a navegação fluvial no Rio dos Sinos naquela época (Peter Friedrich Petersen e Karl Roth) para levar a sua mercadoria até Porto Alegre. Na capital da província, ele vendeu a farinha e, com o dinheiro, se dirigiu ao mercado de escravos, que funcionava ao ar livre, ao lado do porto. Ali havia um palanque, do alto do qual um leiloeiro comandava as operações de compra e venda de escravos.

O dinheiro obtido com a venda da farinha não era suficiente para comprar um escravo adulto. Um negro de boa idade, forte e saudável custava o dobro do que Jakob tinha para gastar. Assim, ele teve de se contentar em adquirir um negrinho de apenas oito anos de idade. Feita a transação, o leiloeiro disse para o garoto que, daquele momento em diante, teria de obedecer ao seu novo proprietário. Jakob também falou ao menino, dizendo-lhe onde era a sua casa e que não se preocupasse porque lá ele seria bem tratado. O negrinho acenou com a cabeça, como se dissesse que estava tudo bem. Jakob voltou para casa tomando um lanchão para subir o rio e, ao anoitecer, já chegava em casa trazendo a novidade. Foi decidido que o menino se chamaria Adam, mesmo nome do filho que o casal havia perdido na mão dos bugres.

Tratado como filho, Adam integrou-se perfeitamente à família. Aprendeu o alemão e a cuidar da lavoura, dos animais e do moinho. Tornou-se um excelente trabalhador, verdadeiro braço direito de Jakob. Além disto era amável, sabia respeitar os outros e era, também, respeitado. Ganhou a fama de ser o melhor peão de toda a Colônia de São Leopoldo. Acompanhou Jakob e Magdalena até a morte destes e depois passou, como herança, para a família de Jakob II, filho mais velho do casal, em cuja casa, também, se integrou perfeitamente. Foi viver com eles na colônia de São José do Hortêncio, onde morreu em 1890, com a idade aproximada de 70 anos. Antes disto ocorrera a abolição da escravatura, mas o negro Adam, então já fraco pela idade e cego, foi mantido pela família até a sua morte.

Adam, provavelmente, havia chegado da África, num navio negreiro, pouco antes de ser adquirido por Jakob Weissheimer no mercado de Porto Alegre. Ele teve mais sorte do que a maioria dos escravos chegados ao Brasil. A maioria deles era vendida para fazendeiros e obrigada a trabalhar intensamente. E não recebiam os cuidados e atenções familiares que Adam recebeu na casa dos Weissheimer. Por isto, os escravos costumavam viver, em média, apenas dez anos depois da sua chegada ao Brasil.

 

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