Caí se despede do doutor Gama
São Sebastião do Caí e a região se despedem do psiquiatra Ravardière Batista Gama, que faleceu nesta quarta-feira, dia 3, aos 78 anos. Em nota nas redes sociais, os familiares comunicaram o falecimento, lembrando a belíssima trajetória do doutor Gama.
O velório acontece entre 11h da manhã e 18h de hoje, quarta-feira, quando ocorre a despedida no Crematório Metropolitano de Porto Alegre. O doutor Gama morava na capital gaúcha desde 2008, após coordenar a unidade psiquiátrica do Hospital Sagrada Família, do Caí, por mais de 40 anos, sendo o principal responsável pela sua implantação. A causa da morte não foi informada.
Doutor Gama
O doutor Ravardière Gama formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vindo a trabalhar como clínico em São Sebastião do Caí em abril de 1970. Recebeu logo uma excelente acolhida do doutor Bruno Cassel, prefeito e médico muito humanitário pelo qual passou a sentir grande estima e admiração.
No ano de 1973, após terminar o seu curso de especialização em Psiquiatria no Hospital São Pedro, de Porto Alegre, ele pensava em sair do Caí. Mas mudou de ideia devido à perspectiva de poder concretizar a implantação de uma unidade psiquiátrica no Hospital Sagrada Família e aos estímulos que recebeu para permanecer na cidade. E assim foi criada, em 1974, a Unidade Psiquiátrica.
Foi destinada para isto uma ala do prédio do Hospital Sagrada Família, com 800 metros quadrados. A doutora Maria Conceição, juntamente com a Irmã Leocádia, se puseram a trabalhar nas reformas necessárias para adequá-las às normas exigidas pelo Ministério da Saúde. Elas usavam uma fita métrica de costureira para fazer as medições nas paredes do prédio. Mas, com o tempo, todas as dificuldades foram vencidas até que a Unidade Psiquiátrica do Hospital Sagrada Família chegasse às excelentes condições que apresenta atualmente.
O doutor Gama era Médico Psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria-AMB. Nascido em Porto Alegre no dia 31 de outubro de 1943, estudou sempre em escolas públicas.
Em dezembro de 1963 concluiu o Curso de Técnico Agrícola pela Escola de Agricultura de Viamão-ETA.
Em janeiro de 1964 prestou exame vestibular para a Faculdade de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi aprovado. Cursou o Pós Graduação de Psiquiatria por três anos.
Em 1980 fez um curso de Psicodrama com professores da Universidade de São Paulo-USP, com duração de três anos.
Simultâneo a este aprimoramento profissional, em 1970, a convite do agente da recém criada agencia do antigo INAMPS, veio trabalhar em São Sebastião do Caí, como Clínico Geral e Médico Perito Coordenador de Área, abrangendo as cidades de São Sebastião do Caí, Montenegro e demais municípios vizinhos.
Tomando conhecimento da realidade da saúde, em especial da Saúde Mental na cidade de São Sebastião do Caí e das demais cidades vizinhas, ficava muito preocupado com os casos psiquiátricos que necessitavam de internação. Todos iam para Porto Alegre. Muitos destes pacientes, oriundos desta região de colonização alemã, nem português falavam. Além do sofrimento psíquico, da distancia do seu meio social e familiar tinham que encarar a vida da capital. Com a aceitação da Sociedade União Popular, na época proprietária do Hospital Sagrada Família, representada na pessoa de Antonio Kaspary, Presidente desta Sociedade idealizou e fundou junto com sua esposa Terapeuta Ocupacional Dra. Maria Conceição Gama, a primeira Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral do Rio Grande do Sul inaugurada em 1974.
Dedicava-se nos últimos anos a atividades em seu consultório na Av Egydio Michaelsen, em São Sebastião do Caí.
A grande obra do doutor Gama
Em outubro de 2009 o jornalista Renato Klein, diretor do Fato Novo, postou no blog História do Vale do Caí o importante legado do psiquiatra, com o título “A grande obra do doutor Gama”. Lembrou de sua importância para a instalação da unidade psiquiátrica no Hospital Sagrada Família, inaugurada em 1974, o que na época era uma grande inovação. Foi a primeira unidade deste tipo criada no Rio Grande do Sul e uma das primeiras do país.
O doutor Ravardiere Gama foi o jovem médico que teve a inspiração de criar esta unidade e – depois de haver participado da cerimônia de beatificação de Madre Regina, no ano de 1999 – ele teve a percepção de que foi esta madre que lhe deu tal inspiração.
A Madre Regina Protman viveu há cerca de 500 anos, numa cidade alemã chamada Braunsberg, hoje pertencente à Polônia. Ela foi uma brava e dedicada mulher que se afastou do conforto e da segurança oferecidos pela sua família para viver uma vida de extrema pobreza, dedicando-se ao tratamento de doentes epilépticos e psiquiátricos.
O doutor Gama, na época, contou que teve de vencer muitas resistências para implantar o projeto que havia idealizado. Havia, na época, muita resistência e muitos tabus com relação aos portadores de doenças psiquiátricas. A concepção da época era a de que os doentes psiquiátricos deviam ficar reclusos e distantes da convivência social e familiar. Uma situação que levava, quase inevitavelmente, ao agravamento dos problemas dos pacientes. Para muitas destas pessoas, ser levado para o hospício significava algo semelhante a uma condenação à prisão perpétua.
E a idéia de criação da Unidade Psiquiátrica vinculada ao Hospital Sagrada Família foi – de fato – uma “santa inspiração”. Foi uma idéia que deu certo, pois ela hoje está sendo copiada em outras cidades do Rio Grande do Sul e até mesmo em outros estados brasileiros.
Em 23 de maio de 2019 o Fato Novo publicou “Doutor Gama – Vencendo tabus”, contando parte desta história.
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