Juíza do Caí conduziu adoção de três irmãos gaúchos por casal italiano

Primeira adoção internacional do ano no Estado: Milena comemorou o aniversário de 13 anos ao lado da nova família - Créditos: Arquivo Pessoal

Distantes mais de 10 mil quilômetros, o casal de italianos Francesco e Francesca encontrou aqui no Rio Grande do Sul os filhos que tanto procuravam: Milena, de 13 anos, Raul, 7, e Maria Eduarda, 5. Para conectar essas vidas, magistrados, servidores e operadores do direito que atuam na área da infância e juventude correram contra o tempo, concretizando a primeira adoção internacional registrada no Estado em 2023.

Os irmãos foram acolhidos em 2020, na Comarca de Butiá. Houve a tentativa de restabelecimento dos vínculos familiares, e, dada a impossibilidade disso, deu-se a destituição do poder familiar dos pais biológicos das crianças. A adoção internacional só é possível se isso ocorrer e após esgotadas todas as possibilidades de adoção nacional.

A Juíza de Direito Priscila Anadon Carvalho, que na época atuava em Butiá e hoje está na Comarca de São Sebastião do Caí, conduziu o caso durante 1 ano e meio e lembra com carinho do desfecho da história. “Não há como disfarçar a emoção ao saber que tanto esforço não foi em vão”, afirma.

Mas foi preciso correr contra o tempo. Havia pretendentes internacionais habilitados no Sistema Nacional de Adoção (SNA) que poderiam adotar os três irmãos e, em algumas províncias, as chances de adoção de crianças com mais de 12 anos são limitadas. “A assessoria foi incansável”, conta a Juíza, ressaltando também o empenho do colega, Maurício Frantz, de membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e do TJRS a fim de que os prazos tramitassem no prazo mais exíguo possível. “Fomos muito bem atendidos por todos que compreenderam a urgência da situação”, lembra.

Para o Juiz Mauricio Frantz, vencer a distância é um desafio. “Principalmente porque os pretendentes à adoção precisam passar por um estágio de convivência com as crianças no Brasil, o que implica deixar de lado sua rotina (sobretudo o trabalho) no país de origem, tarefa que nem sempre é simples”, observa. “Porém, felizmente, os adotantes não mediram esforços para cumprir todas as exigências legais e, especialmente, para conquistar o afeto dos seus filhos”, afirmou.

O Assessor do Magistrado, Gabriel Costa Lamas, considera que o processo foi um dos mais importantes no qual já trabalhou. “Isso porque, em razão das particularidades do caso e da complexidade de todos os procedimentos, o trâmite processual me exigiu muitas diligências em conjunto com a equipe de proteção e os demais servidores da Comarca”, lembra. “Eu, particularmente, pensava apenas em mudar a vida dos três irmãos e sabia que talvez eu não tivesse outra oportunidade de fazer algo tão grandioso em favor de uma criança acolhida”.

 

Três crianças, duas meninas e um menino, olhando um livro de gravuras em cima de uma mesa

Milena, Duda e Raul conhecendo o álbum de fotografias feito por Francesco e Francesca – Créditos: Arquivo Pessoal

 

Pais preparados 

Francesco e Francesca passaram por um processo de habilitação na Itália. A partir da autorização para adotar, tinham 1 ano para buscar o organismo internacional que poderia representá-los. A partir desse momento, o organismo é responsável pela formação desse casal e também por dar suporte para a adoção que irá ocorrer.

Representante no Brasil do organismo italiano Il Mantello – Associazione di Volontariato per la Famiglia e L’adozione (Associação de Voluntários para a Família e Adoção), Carolina Belotti Junkes trabalha há 16 anos com adoção internacional. Foi ela quem auxiliou Francesco e Francesca nesta jornada em busca dos filhos brasileiros. Ela considera que o papel da entidade é dar apoio aos adotantes, mas também conferir segurança ao processo.

“É um apoio e também transmite segurança ao estado brasileiro que, quando for buscar informações sobre esta nova família, vai poder se dirigir direto ao organismo internacional. Pela Convenção de Haia, cada país tem a sua Autoridade Central, que manterão relações entre si. Mas é mais fácil entrar em contato com o organismo internacional que se incumbiu de acompanhar determinada adoção”, ressalta. “Nós damos respostas mais rápidas, garantimos a prestação de relatórios semestrais, pelo período de 2 anos, falando da integração da criança no período. Além disso, mensalmente, prestamos informações à Autoridade Central Federal (ACAF) e à Polícia Federal”,  acrescenta Carolina.

Segundo Carolina, no estágio após a adoção, o organismo internacional também atua, acompanhando e apoiando a família, disponibilizando equipe técnica. “Os pais também passam por um curso pós-adotivo onde recebem a formação para integração das crianças na escola e na sociedade”.

 

Selfie com a família, as assistentes sociais e a representante do organismo internacional à frente

Primeiro encontro da família em Porto Alegre. Assistentes Sociais, Psicóloga e representante do Organismo Internacional acompanharam o momento – Créditos: Arquivo Pessoal

 

Autoridade Central rompe fronteiras 

No caso de uma adoção internacional, a indicação das crianças/adolescentes é feita pela Comarca onde vivem para a Autoridade Central Estadual (ACE), órgão do Poder Judiciário em funcionamento desde 2016, cuja competência é fazer cumprir a Convenção de Haia, que regulamenta a adoção internacional. Até então, o processo era realizado pelos Juizados Regionais da Infância e Juventude. A ACE é composta pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Rio Grande do Sul (CEJAI/RS).

Quando há adolescentes envolvidos, é necessário o prévio consentimento deles para sua indicação. É A CEJAI quem faz a busca pelas famílias. Os pretendentes internacionais apresentam o seu processo de habilitação para a Autoridade Central brasileira, por  meio dos organismos internacionais credenciados ou da Autoridade Central do seu país. Quando o processo é homologado, eles são habilitados no Sistema Nacional de Adoção.

É respeitada a ordem cronológica da fila, a menos que existam candidatos brasileiros residentes no Exterior, que têm preferência na adoção de crianças e adolescentes da mesma nacionalidade. “Eu falo com a equipe – ou do organismo internacional ou da Autoridade Central – que representa o pretendente habilitado. E também entro em contato com a equipe do acolhimento e com a própria criança, até que haja o aceite do pretendente”, explica a Assistente Social Graziela Milani Leal, da ACE/RS.

 

homem adulto sentado no chão com três crianças e figuras de papel no chão

Início do estágio de convivência da família no Rio Grande do Sul… – Créditos: Arquivo Pessoal

 

Contagem regressiva para conhecer “mamma” e “papà”

Confirmado o interesse do adotante, a próxima etapa é a da aproximação. Francesco e Francesca fizeram um álbum se apresentando para as crianças, que também produziram os seus materiais com a ajuda de Graziela e da equipe do acolhimento de Butiá. “Participo ativamente desse processo. Sempre trabalhamos com equipes técnicas do quadro do Poder Judiciário. Se não tem na Comarca, é usada a do Juizado Regional”, explica Graziela. Por exemplo, a desse caso, houve o apoio da equipe da Capital.

“Participamos do momento em que as crianças ficam sabendo da existência da família. Contamos que estávamos procurando uma família que realmente atendesse tudo o que elas precisavam e que literalmente rompemos fronteiras. Que encontramos uma família que mora em um lugar diferente, que fala uma língua engraçada e vamos adaptando esta explicação à idade e ao nível de desenvolvimento da criança ou do adolescente. E neste momento a gente apresenta o álbum dessa família”, detalha.

Francesco e Francesca fizeram um álbum de apresentação para as crianças, houve trocas de vídeos e de fotos entre eles e, finalmente, as videochamadas, que contavam com o suporte da representante do Organismo Internacional para tradução.

“Foram realizadas abordagens presenciais e virtuais, para conhecer as crianças, seus pensamentos e sentimentos, assim como abordar o tema da adoção e das mudanças decorrentes de uma moradia na Itália”, explica a Assistente Social Natalí Garibaldi Nunes, do 2° Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre.

“Nesse período, o papel da equipe técnica é o de observar a capacidade de comunicação e de afeto, e também colaborar com o desenvolvimento do diálogo, sugerindo assuntos em momentos em que estavam mais tímidos ou sem ideias”, explica Natalí. “Assim, era possível compreendermos como as crianças estavam reagindo a proposta de adoção, seus sentimentos, dúvidas e expectativas, as quais poderiam ser trabalhadas de forma concomitante ao desenrolar da aproximação virtual”.

 

Família formada por pai, mãe, menina de 12 anos, menino de 8, menina de 5. Estão sentados lado a lado, A caçula está sentada no colo da mãe.

….  Neste período, pais e filhos viveram em rotina familiar, em preparação para a vida nova no outro país – Créditos: Arquivo Pessoal

 

O encontro

A etapa seguinte, talvez a mais esperada por todos, é o estágio de convivência. Ela dura de 30 a 45 dias e, no caso, também foi acompanhada pela equipe técnica do Foro Central, da Autoridade Central e do abrigo. É preciso que os pais se mudem temporariamente para o Brasil e oportunizem às crianças viver em um ambiente doméstico, com uma rotina semelhante à da realidade deles no outro país. “Que cozinhem, que tenham momentos lúdicos, que as crianças aprendam a nova língua”, cita Graziela. Milena, Raul e Duda, por exemplo, começaram a aprender as primeiras palavras em italiano através de desenhos animados.

O casal chegou em fevereiro ao Brasil. A nova família estava ansiosa para compartilhar a moradia. “O objetivo é iniciar uma vinculação afetiva parental, oferecendo suporte para que se conheçam e aprendam a lidar um com o outro, conforme as características de cada. A solidez da vinculação familiar demanda maior tempo, havendo novos desafios cotidianos, por isso haverá um suporte técnico sistemático, após o período deste estágio de convivência, oferecido pela equipe responsável pelo acompanhamento e adoção na Itália”, ressalta Natalí.

Para Francesco e Francesca, foi o coração que os guiou até o Brasil. “Foi um jogo do destino”, afirma o pai. A mãe lembra que as crianças estavam dentro do perfil desejado pelo casal e que os dois se comoveram ao ver o vídeo dos irmãos. “Não sei o que espero, mas estou muito feliz por ser mãe. Desejo que esta felicidade perdure”, revela Francesca. “Espero que seja uma família harmônica e que estejamos todos sempre juntos”, completa Francesco.

Milena, que já celebrou o aniversário de 13 anos ao lado dos pais, conta em poucas palavras que está muito feliz, por ela e pelos irmãos Raul e Duda. A menina sonhava em ter uma família para a qual desejava receber muito amor e carinho. Foi por isso que recebeu em lágrimas a notícia de que seriam adotados. “Finalmente teria uma família para cuidar dela e dos manos”, lembra Graziela.

Em casa

Milena, Raul e Maria Eduarda, “mamma” e “papà” já estão na Itália. As crianças realizaram o sonho de conhecer o mar e já estão exercitando o novo idioma: “Mamma mia! Nós te amamos, mamma! Nós te amamos, papà”, diz Raul. As crianças já estão integradas à rotina da família, frequentando a escola e curtindo as novidades da nova terra.

 

Família posando para a foto, com as malas, no aeroporto

Prontos para o embarque rumo ao novo lar
Créditos: Arquivo Pessoal

Imagem colorida da Juíza Priscila, ela tem a pele morena clara, cabelos e olhos castanhos escuros. Sorri para a foto. Usa vestido branco com folhas verdes

“Ver a união dessa família é deveras gratificante. Por vezes lidamos com situações tão difíceis, como foi a desses três irmãos, e ver que, como membro do Poder Judiciário, é possível trazer um destino feliz a crianças que desde cedo sofreram tanto com abandono e negligência, é muito satisfatório”.

Juíza Priscila Anadon Carvalho, atuou no processo de adoção

 

Texto: Janine Souza / Diretora de Imprensa: Rafaela Souza | dicom-dimp@tjrs.jus.br

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