Picaretas e a estrada – o drama da RS 411

A RS-411 parece aquela pessoa da família que todo mundo sabe que precisa de ajuda. Mas quando se encaminha para resolver o problema de fato, um diz que não é comigo, o outro não tem grana, o outro nem quer saber, o outro se faz de surdo. Esta estrada liga Montenegro, Brochier e Maratá, com toda sua pujança, produção, turismo e relevância, mas a sensação é que liga mesmo o nosso tempo presente à Era Paleolítica. É a estrada que Deus fez lá depois do sétimo dia, quando estava cansado e, no fundo, até já meio desolado, quase arrependido, desconfiando de que a coisa toda tinha dado errado. Porque foi inventar de botar o tal do bicho homem e deu no que deu. Deus!
Por ali passam caminhões com frango, lenha, citros, carvão. E trabalhadores. Moradores. Crianças. Sim, crianças indo para a escola como quem enfrenta um macabro Rally Dakar antes do recreio. Porque acostamento, como se sabe, é uma tecnologia experimental ainda em fase de testes no resto do mundo. Aprovada em países sérios. Aqui, só em estrada que tenha circulação de gente muito importante em lugares muito importantes ou vá aparecer depois nos vídeos – importantes, claro – de certas campanhas eleitorais caríssimas. Mas só num trecho, né. Que asfalto é muito caro. Bota demais, depois não sobra praquela gorjeta. Né?
Quem conhece a Costa da Serra, sabe. As casas ficam tão perto da pista que, se a pessoa abrir a janela no momento errado, o vento do caminhão que passa na estrada fecha a janela de volta imediatamente. Se for espiar o movimento na porta, narizes mais avantajados precisam tomar cuidado para não ir junto com o ônibus. E nem mureta, guardrail, gradil ou qualquer proteção mínima existe ali. Se um carro ou caminhão desgovernar, foi-se uma casa. Ou mais. E não é impossível. Que buraco, ali, não é defeito. É personagem. Com personalidade, história e endereço fixo. Alguns já devem até votar nas eleições estaduais, e aí se entende porque são tão preservados. Patrimônio bizarro.
E nós, motoristas, aprendemos a arte marcial da direção defensiva-ofensiva-coreografada: de repente, do nada, num estalar de dedos, ou num reflexo condicionado, desvia-se para a pista contrária com a leveza de um bailarino russo. Não é ultrapassagem: é fuga estratégica do abismo.
A promessa de recuperação da estrada? Ah, esta já nem aparece mais. Talvez por medo de competição, que promessa furada com buraco no asfalto pode gerar um conflito de vaidades para ver quem afunda mais o pobre povo local. Picaretas, quando aparece ali, nunca são as ferramentas para arrumação da pista. Mas os sujeitos que prometem a solução que nunca chega. Ou os que nem prometem mais, dando de ombros para as vidas do lugar. Há quanto tempo mesmo, esse drama? A desculpa oficial é falta de dinheiro. Falta para a rodovia, claro. Para o guardrail, naturalmente. Para a segurança das crianças, evidentemente. Mas nunca falta para campanhas publicitárias para dizer que o governo está “fazendo muito”. E que vão fazer coisas novas, ainda que nunca tenham arrumado as antigas.
É que algumas estradas não dão palco. Não somam votos. Não justificam tesouras douradas pra foto de inauguração. Vidas de gente simples importam? Muito pouco. E o governador nem se dá conta, pois viaja é de helicóptero. E no céu não tem buracos (por enquanto). Enquanto isso, seguimos. Carro na pista errada, caminhão na certa, criança na margem, vidas por um fio. O trânsito é improvisado. A segurança também. A RS-411 é mais que uma estrada: é uma metáfora involuntária. Um lembrete diário de que neste país o buraco nunca é na pista. É na prioridade. É no respeito ao povo. E desse buraco, infelizmente, não temos como desviar.



0 Comentários