O lado B do exibicionismo
Não éramos tão exibicionistas, até algum tempo atrás. Peguei esse tempo. Contentávamo-nos com nossas realidades medianas e olhávamos com desconfiança, ou até admiração, o tal mundo das celebridades. Os poucos eleitos que, por sua notoriedade definitiva ou momentânea, apareciam nos veículos de mídia. Políticos, astros, jogadores famosos. As revistas de fofoca faziam um sucesso estrondoso ao humanizar estas criaturas, endeusadas por suas imagens trabalhadas como um produto, mostrando que elas também erravam, mentiam, traíam, tomavam pileques, deviam grana, tinham problemas com a família, batiam seus carros e etc.
As redes sociais chegaram e promoveram uma certa revolução egocentrista. Talvez não foste este o maior foco de sua criação, desde o surgimento do “SixDegress” (que ganhou este nome, “seis graus”, por conta da teoria publicada por um escritor húngaro, em 1929). Nem mesmo dos populares Orkut e Facebook, que vieram em seguida. Mas, talvez, hoje seja exatamente o objetivo dessas redes. E é aí que mora o perigo. Vivemos o ápice inimaginável da “sociedade do espetáculo”, anunciada pelo francês Guy Debord, em 1997, já preocupado com a rotulação das pessoas como coisas, e isso com base em estudos dos anos 60 até o final dos anos 80 (sem rede social, portanto). Estas redes nos transformaram, de meros consumidores dos produtos que precisavam ter uma boa imagem, a sermos os próprios produtos, alvos desta fabricação de imagens em série. Viramos artificiais. Personagens de nós mesmos. Para consumo imediato e efêmero.
Antes, apenas os escolhidos, os “capazes” ou os permitidos podiam escrever e ter sua opinião divulgada ao mundo. Agora todos escrevem, em qualquer lugar, até analfabetos funcionais. Até os que nada sabem e acham que sabem de tudo e dizem asneiras estrondosas sem qualquer leitura ou pesquisa anterior. Hoje, qualquer um posta uma foto e se transforma num exemplo de beleza. De preferência artificial, pois se antes as fotos saíam conforme o momento, agora qualquer aplicativo nos torna belos, oportunos, charmosos, elegantes. E qualquer celular substitui fotógrafos profissionais. E por aí vai.
Claro que essa evolução criou novos mercados, empregos e etc. Como foi com a Revolução Industrial e em todas as grandes transformações históricas da humanidade. Só que, como nestas também aconteceu, vieram de carona muitos males. Hoje, o exibicionismo tem o seu lado B. Como tudo na vida. Ainda mais os excessos. Agora está em pauta, como num frisson coletivo, o vídeo postado pelo influenciador Felca sobre pedofilia na internet. Ué, mas já não se sabia disso? Há quanto tempo se alerta para este perigo? Há quanto tempo pais perderam o controle sobre seus filhos, alguns até achando ótimo que eles, imersos nas redes e nas telas, os deixem em paz? Ou perderam o controle sobre sua noção de moral, ética e até mesmo segurança ao exibirem seus filhos numa corrida febril e insana atrás de curtidas ou remunerações? Há quanto tempo se avisa sobre este perigo?
Em algum momento haveria de se decretar um limite para este descontrole. Que seja agora, mesmo que tão tardiamente. Mesmo que, no fundo, seja de forma tão oportunista, marqueteira e falsa como é para a maioria dos que agora fingem se importar. Importante é pensar sobre. E mudar comportamentos. A liberdade humana só é bela quando há certos limites que a liberdade dos outros aprende, por educação e consciência, a respeitar.
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