Jair Baumgratz
Quando finalmente o asfalto chegou a São Vendelino, em 1973, um mundo de possibilidades começou a se abrir para a população local. Para muitos, foi a chance de obter emprego como operário em uma fábrica como a Grendene de Farroupilha, a Tramontina de Carlos Barbosa ou a Reichert, de Feliz. Para outros, com maior espírito de iniciativa, a oportunidade de desenvolver o seu próprio negócio. E este foi o caso do casal José Adelmo e Maria Ophélia Baumgratz. Eles eram proprietários de um pequeno armazém na localidade de Piedade, situada junto à rodovia RS-122.
Dinâmico, seu Adelmo procurou novas possibilidades de negócios. E elas surgiram. Ele criou, em Novo Hamburgo, uma fábrica de pré-moldados de cimento, negócio que desenvolve até hoje (Betonart, agora com sede em São Vendelino). Continuou morando em Piedade, indo diariamente para o trabalho em Novo Hamburgo.
Enquanto isto, sua esposa cuidava do armazém e passou a desenvolver um outro negócio. Um atelier no qual executava trabalho de costura em couro para a firma alemã Otto Kessler, que havia se instalado no Caí e se dedicava à fabricação de luvas. Note-se que nem o trabalho de Adelmo nem o da esposa teriam sido possíveis sem a existência de uma boa estrada asfaltada ligando a sua casa ao Caí e a Novo Hamburgo.
Além de trabalhar ela mesma na costura, enquanto esperava a freguesia no seu armazém, Dona Maria Ophélia começou a empregar outras mulheres da localidade no mesmo trabalho. Com o crescimento do atelier, a sua função passou a ser mais administrativa. Ela ia buscar as peças de couro já cortadas e o restante na fábrica do Caí, entregava o serviço para as costureiras que tinha contratadas na Piedade e depois devolvia as luvas, já costuradas, para a fábrica. Como é característico no trabalho dos ateliers, as costureiras trabalham nas suas próprias casas, aproveitando as horas de folga das outras atividades (rurais ou domésticas). Para viabilizar o seu trabalho a fábrica coloca uma máquina de costura especial para o trabalho com couro na casa de cada uma das costureiras. Este negócio prosperou a ponto de dar emprego a mais de 30 costureiras que moravam em São Vendelino, Bom Princípio, Carlos Barbosa e Garibaldi. Maria Ophélia precisava, portanto, percorrer longos trajetos distribuindo serviço para as suas contratadas e, para poder administrar este trabalho, deixou o atendimento no armazém a cargo do seu filho mais novo. Os dois mais velhos estavam estudando fora.
O casal Baumgratz tem três filhos homens, César, Jair e Vanderlei, além da filha Mara. E, como é típico das famílias de origem alemã, tratou de incentivar todos eles ao estudo e ao trabalho. Desde novos, todos ajudavam no trabalho dos pais.
Para a história recente de São Vendelino, o filho do meio, Jair Baumgratz, tem uma importância fundamental e, por isto, vamos nos concentrar no relato da sua vida.
Jair estudou em seminários dos 12 aos 17 anos, em regime de internato. Nas suas férias ele sempre ajudava no trabalho dos pais. Fazia de tudo. Só não podia dirigir veículos, por causa da idade.
Quando ele voltou para a Piedade, o atelier dirigido por sua mãe já havia se desenvolvido mais e prestava serviços principalmente para a fábrica Reichert que havia instalado uma fábrica na cidade de Feliz. Assim, além de trabalhar com luvas, ela passou a produzir também costura em calçados. Jair passou a ajudar a mãe na busca do serviço na fábrica Reichert e na sua distribuição para as costureiras. Como ele ainda não havia completado 18 anos e não estava autorizado a dirigir veículos, foi necessário contratar um motorista para acompanhá-lo. Mas por pouco tempo. Logo Jair estava dirigindo e mostrou-se muito eficiente no trabalho. Conseguiu novas costureiras principalmente na região da serra, onde havia mais disponibilidade de mão de obra qualificada para este tipo de trabalho.
Um jovem empreendedor
Curiosamente, São Vendelino (que teve o seu desenvolvimento retardado por tantas décadas em virtude da falta de uma estrada trafegável) havia se transformado num lugar privilegiado neste aspecto. Ali se entroncam rodovias que ligam toda a região serrana com Porto Alegre e o Vale do Sinos. Por isto, o atelier da família Baumgratz estava situado num local privilegiado para o seu ramo de negócios. E Jair soube aproveitar muito bem esta vantagem.
Mas, apesar da base já montada por sua mãe, o início do seu trabalho não foi nada fácil. Além de levar o trabalho para as costureiras, ele precisava buscar serviço nas fábricas de calçados. Passou a trabalhar para a Fasolo (no Caí) e a Star Sax (em Parobé), entre outras.
Nesta época, além de fazer o seu trabalho, Jair estudava à noite na FEEVALE, de Novo Hamburgo. Fazia o curso de Tecnólogo em Calçados, de nível universitário. Ele ia para a universidade de moto. O dinheiro que Jair e sua mãe ganhavam com o atelier ainda não dava para comprar um carro novo.
Estudar na FEEVALE foi muito útil para Jair, pois todos os seus colegas trabalhavam em fábricas de calçados ou vieram a trabalhar nelas depois de formados. Com isto, foi mais fácil para ele conquistar novas empresas como clientes para o seu negócio de atelier. Um dos colegas com o que Jair fez mais amizade foi o caiense Pedro Piovesan, que trabalhava na fábrica Azaléia do Caí. E esta relação serviu para que ele conquistasse a importante fábrica da Azaléia como sua cliente do atelier. Uma conquista que fez dobrar o volume de trabalho na empresa da família Baumgratz. Nesta época, Jair já era sócio da empresa, juntamente com sua mãe e o irmão Vanderlei.
Note-se mais uma vez a importância das estradas asfaltadas, sem as quais Jair jamais poderia desenvolver toda a sua atividade de buscar material nas fábricas no Vale do Sinos, levá-lo para as casas das costureiras na Serra e ainda ir até a faculdade em Novo Hamburgo à noite. Ele, muitas vezes, ia para a faculdade com o carro carregado com as peças que apanhava nas fábricas, porque aproveitava a mesma viagem. Entrava na sala de aula impregnado com o cheiro do couro. Outras vezes ele ia para a FEEVALE de moto. E, apesar de tanto esforço, os rendimentos do atelier não eram muito grandes. Em 1983, Jair, sua mãe e o irmão haviam tentado comprar um carro novo, um Gol, em prestações. Mas seu Adelmo, preocupado com a possibilidade de ser impossível pagar a dívida contraída com esta compra, obrigou-os a desfazer o negócio.
Em 1985 Jair e seu irmão Vanderlei abriram uma revenda de motos em Bom Princípio que chamou-se Javann. Um ano depois, Jair casou-se com Ester Maria Ledur e decidiu tocar sua firma sozinho. Vanderlei ficou como único proprietário da Javann, dona Maria Ophélia continuou com o seu atelier, dedicando-se à costura de luvas e Jair passou a ter a sua empresa individual, dedicando-se à costura de calçados.
Ainda em 1986, Jair contratou seu primeiro funcionário: Carlos Fritzen, que antes trabalhara na fábrica Reichert de Feliz. Logo a esposa de Jair, que trabalhava na agência Bradesco do Caí, largou o emprego e passou a ajudá-lo na firma.
A empresa progredia rapidamente e, entusiasmado, Jair trabalhava incansavelmente. O seu dia de trabalho começava às seis horas da manhã, quando batia na casa de Carlos e os dois começavam a preparar o material que precisava ser levado naquele dia para as casas das costureiras. Ele ainda não havia concluído o curso universitário e quase desistiu dele em virtude do tempo que precisava dedicar ao trabalho. Mas, como faltava pouco para a conclusão, persistiu até a formatura que ocorreu em 1988.
Jair Baumgratz desempenhou um papel particularmente decisivo no sucesso de São Vendelino por haver sido o primeiro prefeito e o principal formulador do modelo administrativo que foi seguido pelos demais.
NOTA: Texto original escrito em novembro de 2009
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