O Brinde da Morte

Dizem que o brasileiro não desiste nunca. E talvez estejam certos — porque nem mesmo a morte parece frear a criatividade empreendedora de certos sujeitos. Nos últimos meses, operações policiais têm estourado fábricas clandestinas de bebidas alcoólicas que fariam inveja a qualquer laboratório de ficção científica: tonéis de plástico, etiquetas de luxo impressas na esquina, e o ingrediente secreto — o metanol — um composto químico tão perigoso que transforma o fígado em lembrança e a visão em saudade. Isto quando não mata.
O metanol, para quem faltou na aula de química, é aquele primo mau do etanol, o álcool que, dependendo da fórmula, se pode beber. O metanol é o outro: o que se usa em solvente. Basta um gole para começar a perder a vista e dois para perder o resto. Mesmo assim, há quem ache que vale a pena: o lucro é rápido, a fiscalização é lenta e o consumidor, coitado, confia mais na garrafa bonita do que na procedência.
A ironia é que a cadeia de crimes é bizarra: começa com alguém falsificando o etanol do posto de gasolina com metanol para baratear seu combustível e ganhar mais, azar do veículo que se ferra com isto. E logo aparece outro gênio falsificando a bebida do bar com etanol de posto, mas olha só, é o mesmo etanol falsificado. É o crime em looping, o empreendedorismo da desgraça. Uma espécie de “inovação circular” que, no fim, leva todos ao mesmo destino: hospital ou necrotério.
Enquanto isso, os falsificadores brindam — talvez com o próprio veneno — ao sucesso das vendas. Porque o lucro, nessa lógica perversa, é mais forte que respeito à vida do outro. E o consumidor, que acredita economizar num drinque especial, paga o preço mais alto: o da própria vida. A tragédia é real, mas a moral é antiga. Quando o desejo de ganhar rápido supera qualquer resquício de responsabilidade, o resultado é previsível. A falsificação da ética é sempre o primeiro passo antes da falsificação do produto.
As operações policiais continuam, os galões são apreendidos, os criminosos presos. Mas, em algum canto, alguém já pensa no próximo lote, no próximo rótulo, só não está nem aí para a próxima vítima. É o capitalismo de esquina, sem manual nem consciência, vendendo morte engarrafada e colorida.
Talvez, no fim, reste apenas o brinde silencioso da sociedade, que assiste tudo sem se dar conta da própria tragédia: num país onde tudo pode ser falsificado, a ingenuidade também pode matar.



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