Já houve quem afirmou que o Brasil era o país do futebol. Já houve quem acusou o futebol de ser o “ópio do povo”. Por diversas razões, entre históricas, culturais e estruturais – ou desestruturais, mas não é neste debate que pretendo me alongar -, o futebol, de fato, passou de um nascedouro restrito à elite, no nosso país, para um fenômeno de massa em poucas décadas. Até chegar ao ponto de permear de tal forma o imaginário das crianças que, ao serem questionados sobre seus sonhos de “ser quando crescer”, o futebol dominava de forma arrasadora as respostas infantis. Quem nunca? Eu, por exemplo, talvez tenha desejado com todas as minhas forças ser um craque da bola, lá nos anos 70. Queria fazer gols como Pelé, Zico, Falcão, Rivelino e tantos outros. E isto antes mesmo de querer ser escritor ou policial. E só não fui porque meu futebol arte não foi muito compreendido pelos treinadores. Talvez por ser uma arte muito abstrata. Sei lá. Só lembro que eu era ponta: ponta do banco de reservas, o último a ser chamado para entrar em campo. Se entrasse em campo. Mas não tenho traumas: também pensei em ser músico e médico e descobri não ter talento algum para estas profissões que admiro tanto.
O esporte pode ser um poderoso instrumento de inclusão social, se houver gestão pública séria e ciente disto. E é óbvio que, no Brasil, precisamos demais destas ferramentas, e há muito tempo, para contrapor realidades compostas por bolsões de exclusões, violências, crimes, depredações e misérias. Porém, tivemos uma chance de outro em 2014, quando sediamos a Copa do Mundo. Mas a preocupação toda ficou voltada às obras faraônicas nas cidades que sediaram jogos, a maioria delas até hoje incompletas. Poderia ter sido feito um trabalho gigante, desde o anúncio de que o evento seria no Brasil, de inserção, formação de jogadores, retirada de crianças e adolescentes de circuitos asfixiados pelo tráfico, apenas para exemplificar. Ao contrário, o governo brasileiro, à época, tirou as verbas até mesmo das aquisições de livros para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, quebrando diversas editoras que investiam neste mercado cultural. Lamentável. Erros que se sucedem num país cujo comando troca de mãos, mas não se trocam, em sua essência, algumas velhas práticas.
Hoje, o futebol parece querer voltar à origem: restrito às elites. O principal campeonato do país é um retrato disto: um elenco de poucos times milionários, de jogadores pagos com valores astronômicos, enquanto milhares de jogadores país afora recebem salário mínimo ou nem recebem, ou precisam trabalhar em outro emprego além de jogar bola. A maioria dos estados brasileiros não têm um time no campeonato nacional e, portanto, não tem um time para chamar de seu com autenticidade, com identidade. Aí se vê o povo do Piauí fazendo torcida para o poderoso Flamengo, ou Corínthians. E os times daquele povo? Não merecem? Ora, que subam, se quiserem, é a regra do jogo, dirá alguém. Mas a regra do jogo é: se não investir muito dinheiro para montar um time que levará no mínimo cinco anos para estar na elite – e isto se tudo der maravilhosamente certo, contando com sorte além de acertos -, se não tiver esse poder todo, então nem pense nisto.
Os times grandes não visitam o povo dos interiores deste país continental. Mas vendem seus produtos caríssimos e exigem que não se compre nada pirata, é crime. Crime é uma camiseta oficial custar quase um terço de um salário mínimo para alguém que nunca terá a chance de ver este time jogar! Os ingressos nos estádios são acessíveis apenas a uma parcela da população. Times do interior dos diversos estados estão à beira da falência. E são times identificados com a história da sua cidade, com o povo de sua cidade, times que poderiam promover uma fantástica inclusão social e contribuir significativamente na promoção de qualidade de vida em suas comunidades – e isto todo esporte faz.
Eu gosto demais do futebol. Gosto de jogar (ou melhor, entrar em campo par confraternizar por amigos, não vamos também forçar a amplitude do verbo), gosto de assistir, gosto de prestigiar e torcer. Só não gosto de dar dinheiro para esquemas gigantescos de arrecadação que não ajudam em nada o nosso povo. E também não faço apostas. A única aposta que eu adoraria fazer é na força do futebol, como qualquer outro esporte, na formação da cidadania. No fortalecimento das identidades. Na criação de perspectivas. São nestas horas que eu até não aposto, mas torço para que jamais o futebol amador desapareça, ainda que o crescimento das cidades e a especulação imobiliária estejam fazendo desaparecer todos os campinhos das cidades.
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