A Sociedade dos Notificados Invisíveis

Há um novo tipo de comportamento moderno: a coreografia automática do levantar o celular a cada vibração fantasma. A humanidade já superou guerras, pandemias e novelas bíblicas, mas agora se revela incapaz de ignorar a promessa ilusória de uma notificação que, nove em cada dez vezes, não existe. É o braço coçando sozinho, o bolso vibrando por alguma entidade espiritual, o desespero silencioso: “Será que alguém… finalmente… lembrou de mim?” Não lembrou. Era só o seu cérebro notificando que você está carente.
E é curioso observar que, enquanto as notificações não chegam, a maioria repete um mantra moderno: “preciso ficar menos no celular”. Mantra que, ironicamente, é proclamado com o próprio celular na mão, geralmente enquanto se envia um áudio de 2 minutos explicando como andamos desconectando da tecnologia, a outra pessoa que deu sorte da gente responder assim, rápido. Aham. Fica cada vez mais difícil distinguir quem está realmente tentando mudar e quem está apenas performando minimalismo digital para ganhar pontos no campeonato mundial de autocontrole moral. “Gente, ando ausente das redes sociais”. E posta esta frase sob dez selfies por dia.
Mas o comportamento mais atual não é apenas este. É o fenômeno das opiniões instantâneas: pessoas que sequer terminaram de ler o título da notícia, mas já estão digitando um textão de especialista. Chamam isso de “engajamento”. Antigamente chamávamos de “falar sem saber”, mas hoje a antiga burrice ganhou status de competência. Tudo pode. Afinal, quem não tem opinião formada em 0,3 segundos está atrasado para participar da grande Olimpíada do Julgamento Imediato, com modalidades como “cancelamento artístico”, “revezamento de indignação rotativa” e “arremesso do argumento vazio”.
Curiosamente, apesar dessa pressa generalizada, estamos vivendo a era em que ninguém consegue tomar decisão nenhuma. São minutos escolhendo série, horas escolhendo comida no aplicativo, dias escolhendo um filtro para uma foto que ninguém vai ver. Aliás, nos tempos dos álbuns impressos de família, a gnte via e revia dezenas de vezes as mesmas fotos, ainda mais em dia de visita da família. Agora nem visita da família. E a galeria do celular é um arquivo secreto que ninguém quer nem saber. A vida virou um catálogo infinito em que o único consenso é: qualquer escolha feita sempre parece pior do que a que não fizemos. Chamam isto de ansiedade. Eu chamaria de saudade dos tempos em que o máximo da escolha ingrata era um xis com ou sem maionese.
O ápice do comportamento atual, porém, é o desejo coletivo de parecer equilibrado. Todo mundo posta foto de paisagens, faz yoga de domingo e compartilha frases sobre paz interior — enquanto xinga motoristas, briga em fila de mercado (onde entrou na caixa prioritária e está nem aí) e bloqueia metade da família no grupo por causa de partido A ou B, os inimigos de hoje que estavam coligados ontem e coligarão amanhã. Somos uma espécie pioneira, a era dos humanos que aspiram serenidade, mas vivem com 38 abas abertas na cabeça e centenas de notificações por minuto. A evolução, ao que parece, agora acontece no Instagram.
No fim das contas, talvez o comportamento mais atual seja apenas esse: fingir que sabemos o que estamos fazendo, enquanto tropeçamos entre notificações imaginárias, opiniões improvisadas, indecisões eternas e promessas de vida zen que duram até a próxima terça-feira. Mas, honestamente, se isso não é evolução, ao menos é entretenimento — e, como diria qualquer sábio digital moderno, o importante é manter a vibe positiva. Mesmo que seja só no stories para que os outros vejam. E esqueçam em seguida.



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